terça-feira, 22 de novembro de 2011

Rosental Calmon Alves e a nova rotina produtiva

Aqui vai uma indicação de leitura relacionada ao próximo Ciberdebates: o jornalista Rosental Calmon Alves foi o entrevistado da Páginas Azuis, do jornal O Povo, desta semana. Ele fala sobre "o novo ecossistema da mídia". Segundo ele, "jornal da era industrial acabou, tá morto. O jornal hoje já é um híbrido entre átomos (o papel) e bits (os canais digitais)". Rosental comenta sobre a nova forma de fazer jornalismo, utilizando as ferramentas da internet, mas sem esquecer de "gastar a sola do sapato". A entrevista foi realizada por Cláudio Ribeiro (um dos convidados do Ciberdebates) e Plínio Bortolotti. Confira alguns trechos da entrevista:

O POVO - Seu começo no jornalismo se deu aos 16 anos. Como nasceu essa opção na sua juventude? Foi algo por acaso?
Rosental Calmon Alves - Havia uma ligação familiar com a mídia. Meu querido e saudoso tio, João Calmon (que, a propósito, morou muito anos no Ceará) era diretor-geral dos Diários Associados e desde pequeno eu tive oportunidades de frequentar emissoras de rádio e TV. E me interessava muito pelas notícias. Aos 16 anos, virei editor do jornalzinho da minha escola no Rio, o que me levou várias vezes ao velho Correio da Manhã, onde o jornal era diagramado e impresso. Fiquei tão fascinado com a profissão que comprava cinco jornais por dia e comparava como a mesma cobertura estava escrita de forma diferente em cada um. Acabei fazendo um cursinho noturno de jornalismo, me formei e recebi o diploma das mãos do ex-presidente Juscelino Kubistchek, em 1968. Naquele mesmo ano, aos 16, comecei como repórter estagiário e me encantei tanto que quando acabaram as aulas, em novembro, pedi para trabalhar em dois turnos. De manhã cobria polícia e de tarde reportagem geral. Acho que foi então que me tornei workaholic, uma doença da qual não me curei até hoje, 43 anos depois. A origem da doença é uma paixão desenfreada pelo jornalismo, que também dura até hoje, quando estou às vésperas de virar um sexagenário. Nunca trabalhei em outra coisa, a não ser jornalismo ou ensino do jornalismo.

OP - Quais os veículos que já trabalhou? Em quantos países esteve, como correspondente ou em matérias (não valem as viagens virtuais)?
Rosental - Comecei como estagiário no O Jornal, no Rio de Janeiro, mas logo me mudei para Vitória, no Espírito Santo, onde trabalhei nos três jornais diários que havia na cidade e numa estação de rádio. Voltei para o Rio para fazer faculdade e trabalhei nas rádios Tupi e Nacional por um ano e pouco até realizar meu sonho de entrar no Jornal do Brasil, através primeiro da Rádio JB. No mesmo ano que entrei no JB, em 1973, aos 21anos de idade, comecei a dar aulas de jornalismo na Universidade Federal Fluminense. Foi um desafio e tanto. Eu era mais jovem que todos os meus 55 alunos, mas, como comecei tão cedo, tinha registro profissional como jornalista e uma experiência de redação que a faculdade valorizou. Os cursos de jornalismo estavam nascendo, o salário era pequeno, portanto não havia muitos candidatos. No JB, depois de anos na rádio e como colaborador do Caderno B, fui para a Espanha como correspondente freelance e lá me contrataram como staff e me mandaram para a Argentina, depois para o México. Sai por um ano para ser editor-assistente da Veja no Rio e voltei para o JB e para a Argentina, como correspondente. De lá, fui estudar um ano na Universidade de Harvard e depois fui assumir o escritório do JB em Washington. Em todos esses lugares, eu tinha apenas base, pois viajava constantemente por muitos países, como se fosse um bombeiro, cobrindo guerras, terremotos, golpes de estado e crises de todo o tipo. Em 1990 regressei ao Rio como editor de cidade e das revistas do JB e logo virei editor-executivo e diretor.

OP - Você pensa o webjornalismo como mais atual ou menos ágil que o jornalismo de rua, de sair da redação?
Rosental - O bom jornalismo é feito na rua, gastando sola de sapato, mas também é feito com ajuda das tecnologias digitais, que abriram novas dimensões para a reportagem. Para mim, é um erro colocar o webjornalismo de um lado e o jornalismo de rua do outro. Geralmente chamamos de webjornalismo ou jornalismo online um gênero de jornalismo que é distribuído através da web, mas nunca vi o uso desses termos em referência a um tipo de jornalismo que é apurado na web. Apuração é feita na rua, no local dos acontecimentos, mas também é feita ou complementada com reportagem de bases de dados ou através de mecanismos de busca na web. Mas são duas faces da mesma moeda.

OP - Você é dos que preferem louvar o furo jornalístico, antecipando um fato, ou, por alguns segundos a mais, prefere dar uma matéria mais precisa, mesmo nos tempos de internet?
Rosental - É correto sair com a notícia primeiro, mas primeiro é preciso estar correto. Mais vale sair depois certo, do que sair antes errado. Neste mundo de comunicação instantânea, onde cada pessoa é uma mídia, cria-se uma balbúrdia informativa, uma cacofonia sem fim, propícia à difusão de boatos e até desinformação maldosa. O jornalista tem obrigação de se apegar aos seus princípios profissionais, éticos, deontológicos. O jornalismo torna-se mais do que nunca a instância verificadora daquilo que outros, não-jornalistas ou jornalistas, andam dizendo. É assim que o jornalismo cultiva credibilidade e reputação capazes de assegurar-lhe um futuro promissor neste novo mundo que a Revolução Digital está criando.

OP – Você diz que existe hoje uma nova ecologia da informação. Quais são as principais características dessa nova ecologia, comparando com a ecologia antiga?
Rosental – Tem muitos fatores. Primeiro, o ambiente de mídia da era industrial se desenvolveu em meio à escassez de informação e de canais informativos. Ter um canal de informação era caro, difícil. Estamos entrando num ambiente de mídia onde é muito fácil você laçar quantos canais informativos você quiser. O difícil é você sobreviver, é criar credibilidade, modelos de negócio. Isso é uma diferença inicial. A outra é que tínhamos uma comunicação de massa, vertical, dos meios para as grandes audiências. Não havia muita comunicação entre as pessoas que consumiam a comunicação de massa. Hoje, a audiência que outrora era passiva agora é uma rede ativa. É uma rede que está conversando entre si o tempo todo. Ou seja, criou-se uma dinâmica, uma ecologia bastante diferente. Isso não quer dizer que o jornal vá desaparecer, mas vai se transformar. Já se transformou bastante para se adaptar a essa ecologia nova. O jornal sempre foi um construtor de comunidades, só que agora a comunidade que o jornal cria tem uma relação diferente com ele do que tinha antes. Por isso é importante o jornal participar das mídias sociais, entrar no mesmo ritmo, na mesma conversa que está circulando na rede.

OP – O que o jornalismo da era industrial tem a ensinar ao jornalismo da era digital, algo que esse novo tempo não pode deixar de aprender?
Rosental – Tudo. Nós temos a responsabilidade histórica, como a geração de transição, de trazer os valores éticos, deontológicos, que foram erguidos na construção do jornalismo nos últimos 100 ou 200 anos. Nós temos essa responsabilidade. A missão continua sendo a mesma. Os valores éticos têm que continuar sendo os mesmos. Só muda a dinâmica, a forma de contar história, o uso das redes.



A entrevista completa está disponível no Portal O POVO Online. Rosental participará do 4º Encontro do Debates Universitários O POVO, nesta quinta-feira, ás 19h, no Auditório Rachel de Queiroz – da Letras-UFC (Benfica). O último Ciberdebates do semestre, que falará sobre "Mudanças na rotina produtiva - jornalismo de rua X jornalismo de redação", acontecerá na próxima terça-feira, 29, às 8h, no Auditório da Biblioteca. Participarão Cláudio Ribeiro (O Povo), Raone Saraiva (pesquisador) e Daniel Praciano (Diário Online).

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